quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Todo corpo e o corpo todo

Todo corpo
E o corpo todo
Deve ser respeitado

Todo mundo
No mundo todo
Deve ter um orgasmo
            (incluem-se os não-orgasmos, se o corpo assim desejar)

Toda pessoa
De todas as maneiras
Deve estar ciente das leis dos desejos
            (incluem-se carnais e metafísicos)
            (excluem-se os de consumo e de benefício financeiro)

Todas as maneiras que se possa desejar
Que seja em carne ou espírito
   em toque ou mente
realista, simbolista ou concretista
síntese ou prolixia
Vale!

Se não houver corpo, que haja mente
E se alinhar mercúrio e saturno, deixe o corpo tomar conta da mente

Lembre-se que desejo, quem rege, é o corpo
Apague-se dos desejos de ordem material
Inteire-se dos corpos desejosos de vontade sexual
Deixe-se nas anti-leis da matéria e viva a experiência carno-corpóreo-canibal.
Assim. desse jeito


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Leonilson

“com o oceano inteiro para nadar”
bordado no meu vestido de noivo

Casamento forjado apadrinhando por Quentin
Filho de Caio e Herbet
Sonhando com a revolução rebelde

“Eu deserto
o que é verdade para certos rapazes”
decorado no meu véu que decora o meu rosto

no altar não há ninguém. Só eu, meu véu e os bordados
mas o casamento segue
em mim e para mim

abaixo do meu pescoço onde eu apaguei a tatuagem
um poema bordado que meu vestido cobre

do altar jogo o buque de sangue pelas minhas costas e deixo o vento transcrever o juízo
a condenação da minha aberração

que tudo que fizeram antes de mim não valeu em nada porque eu não tive coragem
e assim termino aqui no dia do meu casamento
entre bordados e crucifixos

Amém.

sábado, 13 de setembro de 2014

Coreografia

Se fosse possível uma coreografia
Faríamos algo juntos
Seríamos coletivo
Mas desde jeito calado
Só minhas palavras
Meu silêncio disfarçado em poesia
É o que dá para ser
Seria uma dança se houvesse música
Ou será que alguém já dançou em silêncio? 
“Dance, dance ou estamos perdidos”
Faça coreografia da minha poesia

Pausa de voz.
Pernas no chão, rosto no piso, mãos arqueadas. Movimento. 

Voz:
Em silêncio te descrevo meu corpo
Tuas mãos correm pelos meus pelos
Me desmonto em transe e te deixo no ar. Você cai com as mãos no chão enquanto suas pernas insistem no ar.

Pausa de voz.
Deitado no chão. Tiro meu shorts. Nu. Nua.

Voz:
Há necessidade de rolar no chão, mas não há piso. 
Coreografia para palavras
Silencio para música que não toca. 
Só corpo. 
Ereto. Braços ao longo do corpo. Transe. Cabeça para baixo. Rápido. Mãos epilépticas. 

Chão. Corpo no chão. 
Silêncio. Só o corpo dança.

Pausa de voz.
No ar. No chão. No ar. No chão. No a... No cha... No a... No ch.. No. No. N. N.
Falta de ar.

Voz:
Trouxe comigo o livro que roubei da tua casa no primeiro dia que te vi. E leio a dedicatória que me escreveu na primeira vez que esteve na minha casa.

Este livro já é seu, assim como eu.

Páginas soltas pelo chão. Corpo entre folhas. Mãos na lateral do meu ombro. Me viro como peão, minha cabeça em discordância com meu corpo. Giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro, giro. Mão na lateral do meu ombro.

 “a vida não é uma canção. É só isso. Viver.”

E parece que ouço uma melodia.

Sem coreografia, recolho as páginas do chão. E imagino passos entre as folhas.

Próximo

Close your eyes
close to my eyes 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Do teu medo

Meus movimentos precisos te envergonham
e você não percebe a tua risada gritada no ônibus

Você se mostra em todos os países do mundo, em todas as partes
mas se esconde em finais de junho

Meu beijo masculino te enrubesce
e teu coração para de bater por alguns minutos

a vergonha que você carrega ao lado desse medo infantil
te deixa vulnerável como numa canção feminina e...

... ainda assim você se silencia frente aos meus modos, minhas maneiras...

Não te peço voz
Mas saiba que teu silêncio me entristece

Saiba que a tua risada no ônibus te mantém vivo
em nome de todos aqueles que foram amarrados em postes e deixados para morrer

Cada abraço escondido
Cada beijo negado
Cada silêncio exigido
Cada palavra engolida

É um corpo – feminino ou masculino – morto
O teu silêncio carrega sangue.

O teu medo fortalece o punho do outro
Enfrente-se
Me enfrente

E, por fim,
saiba que todos sabem, mas se silenciam porque têm medo do que o teu medo é capaz.


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Que...

Que o teu corpo nu me dá o direito de te violar
Que o teu copo cheio me dá o direito de te violar
Mas quando me violam me calo tanto quanto você porque não posso admitir que durante alguns minutos eternos fui como você

Que a tua roupa me dá o direito de te violar
Que a tua fala me dá o direito de te violar
Mas me calo frente a membros que me rasgam porque não consigo verbalizar a dor que me aproximou de ti

Que o teu medo me dá o direito de te violar
Que o teu sorriso me dá o direito de te violar
Mas apago da minha memória todas as mãos no meu corpo viciado em culpa porque eu nunca poderia dizer que fui como você

Que a tua sexualidade me dá o direito de te violar
Que a tua paz me dá o direito de te violar

Mas guardo um segredo no passado esquecido e na cicatriz da minha perna porque ninguém pode saber que durante aqueles malditos minutos alguém achou que era como você.